A arbitragem no contrato de seguro

Dra. Liliana Orth Diehl
Dra. Liliana Orth Diehl

“Ao morrer evite o inferno,
em vida evite os tribunais.”
Provérbio chinês


A sociedade brasileira sente e reclama quanto aos efeitos do moroso e atravancado trâmite dos processos judiciais. Diz-se que há excesso de recursos processuais, que há poucos juízes, que o sistema processual permite manobras que eternizam a solução dos conflitos levados às nossas Cortes Judiciais.
Entre nós foi alvissareira a criação dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e Federais que contribuíram substancialmente para a diminuição das longas demandas em juízo e, ainda, pela celeridade nos julgamentos.
Porém, nem todas as questões podem ser levadas aos Juizados Especiais, dado que a Lei 9099/95 trouxe, por óbvio, limitações quanto à matéria, valores das causas e complexidade das mesmas. De notar também que os próprios juizados especiais já se acham abarrotados de processos e é notório que a sua estrutura já é insuficiente para dar cabo à crescente demanda de processos que lhes são carreados.
Recentemente se editou uma nova lei (11.232/05) de execução civil visando à agilização dos processos de cobranças, o que está a contribuir para uma maior celeridade processual, sem, todavia, resolver o problema do acúmulo de processos no foro cível. O curioso é que essa lei não alcança e não submete os processos que envolvem o Estado, o qual, sabidamente, é o que mais se vale da morosidade do Poder Judiciário.
Tal realidade induz e nos remete à busca de novas formas alternativas de resolução de conflitos, que acentuem a simplicidade e a informalidade. Verificada a impossibilidade de resolução do conflito pelas partes, via negociação direta e não desejando recorrer ao judiciário, surgem então as formas alternativas de solução de conflitos representadas pela mediação, conciliação e arbitragem, cuja diferença essencial se dá pela maior ou menor intensidade na atuação do terceiro.”
Na MEDIA��O o terceiro (mediador ou mediadores) são limitados à aproximação das partes, para que façam a negociação direta, sem que haja interferência daquele, o mediador. Aliás, há sim a possibilidade de interferência, qual seja, aquela tendente à suspensão da mediação em razão da constatação da inviabilidade ocorrente do desentendimento das partes.
Na CONCILIA��O, o Conciliador ou os Conciliadores são detentores de atribuições um tanto maiores, cabendo-lhes aproximar as partes com maior esforço e interferência, sempre no intuito de esclarecê-las e convencê-las da necessidade e conveniência da composição.
Já quanto à ARBITRAGEM, a presença e atuação do terceiro, ou terceiros, árbitro ou árbitros, se dará de forma mais incisiva, sem que com isto possa-se entender que atuem e decidam forçadamente.
O árbitro ou os árbitros verdadeiramente julgam, com a autoridade que, livremente, lhe foi conferida pelas partes, mediante a delegação dos necessários poderes. E assim julgam, fazendo-o com os deveres de imparcialidade e independência próprias dos julgadores de um modo geral.
Então, na Arbitragem, o árbitro, detém e exerce o poder jurisdicional. Assim como o juiz, o árbitro exerce o poder de jurisdição, isto é, ele decide o litígio posto à sua apreciação. E como o faz? Por meio de uma sentença arbitral.
No direito brasileiro, por força do disposto na Lei 9.307/96, a sentença arbitral está equiparada a uma sentença judicial, a um título executivo judicial, ou seja, não é necessária sua homologação para a execução pelo Poder Judiciário. E mais, a sentença arbitral é irrecorrível.
Não há dúvida quanto à total aplicabilidade a contrato de seguro das normas traçadas pela Lei 9.307/96. O instituto da arbitragem é consensual, podendo ser inserido nos contratos por um acordo de vontades das partes que estipularão que o litígio ou futuro litígio será resolvido pela via arbitral.
O Professor Cláudio Vianna (2), assevera que “…tanto a ARBITRAGEM quanto os contratos de SEGURO e RESSEGURO estão fundados na boa-fé, os participantes convencidos de que agem inteiramente dentro do sistema legal vigente e que da mesma forma age a outra parte.”
Deste modo, cumpre destacar que a convenção arbitral ocorrerá dos seguintes modos e condições:
1) tem-se a cláusula compromissória, ou cláusula arbitral, que é a cláusula inserida no contrato ou em anexo deste, que estipule que todos os eventuais conflitos e futuros litígios serão resolvidos por via arbitral.
2) Já o compromisso arbitral, subespécie de arbitragem, constitui-se pela convenção no sentido de que o litígio será resolvido pela via arbitral.
A diferença entre cláusula arbitral ou compromissória e compromisso arbitral diz respeito, conforme doutrina o Dr. João Bosco Lee (3) ao momento do litígio. Com efeito, a cláusula arbitral é estipulada antes do nascimento do litígio; e o compromisso arbitral, depois do nascimento do litígio.
Nos termos da Lei de Arbitragem, o litígio poderá ser arbitrável no Brasil quando se relacionar a uma matéria de direito patrimonial disponível.
E o seguro envolve matéria de direito patrimonial disponível, sendo possível, portanto, o arbitramento dos litígios no juízo arbitral.
Cogitou-se acerca da legalidade da inserção da cláusula arbitral no contrato de seguro, antes de verificado o nascimento do litígio, por tratar-se de contrato típico de adesão, ou seja, dada sua natureza massificada não seria dado ao proponente alterar-lhe a forma e o conteúdo de suas cláusulas.
A polêmica quanto ao cabimento da arbitragem ao contrato de seguro foi baseada na própria Lei de Arbitragem, que em norma específica aos contratos de seguro, dispõe que (art. 4º, § 2º) “nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula.”
Sem dúvida que o contrato de seguro é um contrato de adesão, mas o artigo acima citado estatui a possibilidade da utilização da cláusula arbitral em um contrato de seguro quando cumpridos os pressupostos ali asseverados. Conclui-se, então, que é legal a utilização da cláusula compromissória no contrato de seguro.

O cuidado que o segurador deverá ter será o de inserir a cláusula compromissória em termos claros, objetivos e em destaque, como sendo uma opção para o consumidor/segurado. Havendo esta opção pelo segurado é que se celebrará o compromisso arbitral.
A inserção da cláusula compromissória deverá até mesmo ser identificada, ou denominada, como Cláusula Indicativa de Arbitragem, tudo de modo a possibilitar que o aderente, ou segurado, tome a iniciativa de instituir a arbitragem ou, ainda, concorde, expressamente, com a sua instituição, sem que se possa alegar qualquer mácula aos ditames consumeristas.

Em suma, é inquestionável a viabilidade jurídica da utilização do instituto da arbitragem como meio alternativo de solução de conflito, pela eficácia da decisão proferida, devendo-se sempre se atentar que, quanto aos contratos de seguro, não é admissível a presença de cláusulas obrigatórias de compromisso arbitral, exatamente em razão da vedação imposta pelo Código de Defesa e Proteção do Consumidor. (inciso VII, artigo 5º).

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Luiz Carlos Checozzi
Setembro/2008

Notas
01. Vianna, Cláudio. Arquivos da CONSEGURO, Conferência Brasileira de Seguros, Resseguros, Previdência Privada e Capitalização, realizada na Cidade do Rio de Janeiro, em setembro de 2000.
02. Lee, Bosco João. Estudos de Direito do Seguro, Vol. IV, Anais do II Forum de Direito do Seguro ” José Solero Filho, IBDS, Porto Alegre, Novembro de 2001, Ed. EMTS.

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